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CONTINUAÇÃO DA HISTORIA TERENA PARTE 2
CONTINUAÇÃO DA HISTORIA TERENA PARTE 2

A guerra do Paraguai e a perda dos territórios

A eclosão do conflito entre o Paraguai e a Tríplice Aliança, no final de 1864, viria a mudar de forma dramática a vida de toda a nação Guaná, inaugurando um novo tempo. Um dos palcos do conflito foi justamente em território destes povos que, aliado dos brasileiros, sofreram ataques e represálias por parte das tropas invasoras. É certo que todas as aldeias então existentes na região dos rios Miranda e Aquidauana se dispersaram, com seus habitantes buscando refúgio em matos inacessíveis na região (como o lugar chamado Pulôwô'uti, para aonde foram os moradores de Cachoeirinha) ou nas serras de Maracajú (onde Taunay esteve em 1866, perto do córrego Piranhinha e utilizada como refúgio pelos Kiniquinau).

No relatório sobre o "estado da catequese" em 1866, o Diretor de Índios informava que "...nada posso informar a V.Exª sobre o estado das aldeias... em consequência de achar-se aquela parte da província ocupada pelos paraguaios desde janeiro do ano passado...". Em 1870, o mesmo Diretor noticiava ao Presidente da Província que o diretor das aldeias de Miranda, Frei Mariano, havia sido capturado e feito prisioneiro pelas forças invasoras. A aldeia do Ipegue foi destruída pelas tropas invasoras em 1866.

Apesar da intensa participação dos Guaná em favor das forças imperiais e na defesa de suas terras – cujos episódios desta participação foram descritos por Alfredo Taunay (nas obras "Entre os Nossos Índios" e "A Retirada da Laguna") – o governo do Império não reconheceria estes esforços, não consignando um palmo sequer de terras para os Guaná – como o faria, em 1880, para os Kadiweu na concessão de cerca de 500 mil hectares de terras na região do Nabileque/Bodoquena.

Os impactos do pós-guerra: "tempos de servidão"

Findo o conflito com o Paraguai, o antigo território das aldeias já era disputado por novos "proprietários", em geral oficiais desmobilizados do exército brasileiro e comerciantes que lucraram com a guerra e permaneceram na região. Nas memórias de Taunay (1931:35), fica evidente o modo como ocorreu este processo de "fixação dos desmobilizados" e o processo de expropriação das suas terras e sua agregação como peões nas fazendas que começariam a se implantar da região:

"Nos diversos acampamentos da serra [de Maracaju] construíram-se ranchos vastos e cômodos e, pouco a pouco, regularizou-se o modo de viver daquelas colônias híbridas de brasileiros civilizados [sic] e índios, sobretudo kiniquinaus, a que se haviam agregado guanás, terênas e laianos".

De fato, o conflito com o Paraguai acarretou uma mudança radical no modus vivendi dos Guaná com a população brasileira local. Se antes a relação era de mútua dependência, alicerçada na troca recíproca entre os índios e as tropas regulares que formavam a população dominante nos “presídios” de Miranda e Albuquerque, depois da guerra as populações indígenas passaram a se relacionar com um grupo humano heterogêneo e oportunista – e que passaria a receber apoio oficial para a “colonização” da região conflagrada. Nesses novos tempos, a antiga relação de respeito e solidariedade seria alterada.

Os recém-chegados, desmobilizados de uma tropa que participou de uma guerra violenta e quase sem comando (Taunay, 1935) eram em geral pessoas aventureiras e ambiciosas, prontas a lutar para iniciar a ocupação de uma região devastada do ponto de vista político e social – como indica o documento oficial acima citado. Esses novos colonizadores – a maioria chegada de regiões do Brasil onde a relação com os índios era fundada na prepotência e no desprezo ao “bugre” – desconheciam completamente qual havia sido o papel dos Guaná na conquista e manutenção da região em mãos brasileiras. E os índios se surpreenderam com o caráter eminentemente predador destes novos porutuya, recorrendo como podiam às autoridades de Cuiabá – que antes os tratavam com o respeito devido a aliados – para defenderem suas terras.

A respeito dessa situação, assim se pronunciava o Diretor Geral dos Índios, em novembro de 1871: "Acerca do índio da Tribo Terena, de nome José Caetano, de quem trata o ofício de V.Exª de 7 do corrente, cujo recebimento tenho a honra de acusar, o que sei e posso afirmar é que o dito índio com mais alguns da sua tribo, em número de 17 [e] Pedro Tavares, capitão da aldeia do Ipegue, no distrito de Miranda [contaram] que na ocasião da invasão paraguaia não só sua tribo como todas as outras, e mais habitantes do distrito, abandonaram os seus lares e retiraram-se para os montes e bosques, onde permaneceram por seis anos; que ultimamente voltando seus moradores a reocuparem seus domicílios, esses Terenas encontraram sua aldeia do Ipegue ocupada por Simplicio Tavares, por sua autonomásia Piché, o qual lhes obsta a repovoarem e lavrarem suas antigas terras e de seus antepassados; pelo que vinham pedir providências para não serem esbulhados de suas propriedades das quais não podiam desprender-se. Um outro índio da mesma tribo, de nome Victorino, que farda-se como alferes, e pertence à aldeia do Nachedache, distante da Ipegue uma légua, fez-me igual reclamação".

Logo em seguida, no mesmo documento, esse funcionário considerava – tendo em vista a ausência de um missionário para dirigir as aldeias de Miranda e que ali havia se estabelecido um "corpo de tropas" – ser "...conveniente que V.Exª recomende ao comandante militar e às autoridades do local toda proteção aos índios e que os mantenham em suas terras, visto que serão precisos ainda anos para que Miranda volte ao seu antigo estado e tenha autoridades próprias de uma Vila".

Em 1871 era nomeado o tenente coronel José Vicente Vieira Couto como diretor das aldeias e nesta qualidade, segundo relatório do Diretor Geral datado de 02 de Maio de 1872, "...conseguiu concentrar grande número de índios em seus antigos aldeamentos...". Porém, a situação de pressão sobre as terras das aldeias já era grande.

Este tempo do pós-guerra é conhecido pelos Terena como o tempo da servidão. Dispersos em razão do conflito, os vários sub-grupos Guaná começariam a recompor suas antigas aldeias, agora pedindo "licença" aos novos ocupantes. É a época em que se intensifica a abertura dos estabelecimentos pecuários e do "fechamento" dos pastos, com apoio das autoridades do Império, que pretendia consolidar a ocupação brasileira na área recém conflagrada. E todos estes empreendimentos só foram possíveis graças à "liberação" das terras e o uso intensivo da mão-de-obra indígenas, agora disponíveis. Os relatos dos velhos Terena sobre este período são eloqüentes:

"O pessoal daquela época tinha medo porque ainda se lembrava do patrão que os chicoteava na fazenda. Quem se atrasava para tomar chá de manhã era surrado...foi o finado meu avô quem me contou. Como castigo o pessoal tinha que arrancar mato com a mão. Quando a comida estava pronta, eles mediam toda a sua tarefa. Eram quinze braças de tarefa e, mesmo não terminando a tarefa do dia, de manhã mediam outra tarefa, que acumulava" (João Martins Menootó, ancião de Cachoeirinha).

O advento da República – e as concessões político-administrativas descentralizadoras feitas aos Estados federados e, conseqüentemente, aos chefes políticos regionais – só fez agravar a situação dos Terena. Neste sentido, os depoimentos de Rondon são esclarecedores:

"São comumente explorados pelos fazendeiros. É difícil encontrar um camarada Terena que não deva ao seu patrão os cabelos da cabeça...Nenhum 'camarada de conta' poderá deixar o seu patrão sem que o novo senhor se responsabilize. E, se tem ousadia de fugir, corre quase sempre o perigo de sofrer vexames, pancadas e não raras vezes a morte, em tudo figurando a polícia como co-participante de tais atentados" (1949: 83-84).

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